quarta-feira, 26 de agosto de 2009

As assinaturas do invisivel

No texto abaixo eu traduzi e resumi o texto original do Dr. Vincent Vuillemin, monge ZEN e chefe de projeto no CERN (Organização Européia de Pesquisa Nuclear), que fica na fronteira da França com a Suíça, onde foi desenvolvido recentemente o acelerador de partículas. Ele fala das descobertas que revolucionaram a física e como isso deve ser aplicado na vida pessoal de cada um a fim de atingir uma nova visão da realidade. Na tradição budista o conhecimento intuitivo dessa realidade é aplicado há milhares de anos.
Desde o inicio do século a abordagem cientifica conhecida no ocidente sempre foi baseada na observação de fenômenos externos que nos rodeiam, seguida de uma abordagem explicativa lógica sob forma de teorias ou de modelos. O homem observa seu mundo como um objeto de estudo separado de seu próprio ser. A realidade de nosso mundo era percebida como uma entidade regida por leis fixas ainda que desconhecidas até então, leis que fogem do nosso conhecimento nesse momento mas cuja descoberta era considerada como certa, dependendo somente do progresso a ser alcançado do desenvolvimento de meios de observação futuros. Muita gente ainda compartilha essa opinião, achando que toda realidade pode ser conhecida com a condição que os telescópios e microscópios se tornem mais poderosos.
Essa abordagem tem a grande desvantagem de manter uma separação entre o homem e o universo que o cerca. Além de ser uma das principais causas dos conflitos no nosso mundo atual no domínio da ecologia e nas relações inter-humanas. Essa forma de conhecimento ocupou, ao longo dos séculos, o lugar de qualquer outra forma de conhecimento intuitivo ou contemplativo, onde a observação de si mesmo e da vida que nos habita é a observação de uma parte do todo, levando à abertura de um conhecimento mais amplo da realidade. Esse conceito é fácil de entender se pensarmos que as células que nos compõem são similares a todas as células desse mundo, formadas pelos mesmos átomos que compõem todas as outras coisas de nosso universo observável.
Essas duas abordagens podem ser consideradas como ortogonais, separadas e impossível de serem unificadas. Portanto, a física moderna foi a primeira, entre outras ciências, a sofrer uma revolução profunda, questionando as certezas que havíamos sobre a possibilidade de nosso conhecimento, sobre nós mesmos como sujeitos do nosso mundo como objeto do nosso conhecimento. Isso ocorreu com a chegada da física quântica, da relatividade do tempo, das noções de espaço e das dimensões do nosso universo. A virtualidade do tempo e a nao-separação entre nós mesmos e o universo foi esclarecido de forma evidente pelas novas abordagens da física desenvolvidas há algumas dezenas de anos.
A física quântica e o conhecimento intuitivo
O mundo macroscópico que nos rodeia é regido por leis de causa e efeito. Nesse mundo a matéria é a matéria e as ondas são as ondas. Por exemplo, as ondas na água são o movimento das águas e a água é água, simplesmente. No mundo macroscópico da física quântica as coisas não são tão claras. A dualidade a qual estamos acostumados na vida cotidiana cai por terra. A física quântica evidenciou que a dualidade entre as ondas e as partículas devia ser abandonada. A observação de fenômenos imediatos também balançou as nossas certezas.
Por exemplo: a luz não existe no repouso, mas é a propagação de uma onda, logicamente, à velocidade da luz. Portanto ela não é matéria e não podemos construir uma mesa de luz porque ela não existe no repouso. Do outro lado, o elétron é uma pequena partícula, no sentido do vocabulário usual, ele não é uma onda. Portanto, parece que a luz se comporta às vezes como uma onda e às vezes como uma partícula. Afinal, o que ela é na verdade? A luz é uma partícula ou uma onda, o elétron é uma partícula ou uma onda? Essa noção de dualidade entre onda e partícula deve ser superada. No mundo microscópico, matéria e energia são o mesmo fenômeno.
Na física quântica, a forma pela qual observamos um fenômeno determina o estado pelo qual ele é projetado no nosso mundo macroscopico. Qual é então a realidade fundamental das coisas em si? A observação define sozinha o que observamos ou como matéria ou como onda, sem consistência material? Percebemos aí que o único nível de realidade ao qual estamos acostumados deve ser abandonado e que um novo nível de realidade deve emergir, onde essas contradições deverão desaparecer. Se nos limitamos a somente um nível da realidade não poderemos sair dessa aparente contradição. Portanto, é possível conceber uma lógica que permite não resolver as contradições, mas aceitá-las. Trata-se de uma outra dimensão da lógica. Aplica-se na nossa vida de todos os dias, em que devemos assumir as contradições pelas quais somos confrontados.
Há milhares de anos os mestres zen afirmam que matéria são os fenômenos (o elétron é a onda) e que os fenômenos são a matéria (a onda é o elétron). A natureza fundamental de todas as coisas, matéria e fenômenos, é o vazio, chamado de Ku. Todos os fenômenos, todas as coisas, são criados no vazio e para ele retornam. Nesse sentido, entende-se que no nosso universo só existem fenômenos, sem consistência. A matéria por si mesma é um fenômeno e não tem existência própria, sua essência é o vazio (ku). Ku é intraduzível literalmente, ele sugere um vazio potencialmente ocupado por toda energia e matéria. Esse vazio é ocupado por campos interativos que se materializam durante a passagem de um grão original, ou de um grão de luz ou de uma perturbação energética. Ele se polariza de alguma forma dando origem a manifestações ou fenômenos, visíveis no macrocosmo.
Outra dimensão da realidade

Segundo a descoberta de Planck, fundamentalmente ligada à física quântica, a energia é uma estrutura discreta, descontinua. A sua base é o quantum. Isso correspondeu a uma verdadeira revolução. Nós somos acostumados a um mundo continuo, feito de relações de causa e efeito, de interações e de um tempo linear. Como entender, portanto um mundo feito de entidades descontinuas, os quanta? Como entender que entre dois pontos não ha nada, nem átomos, nem partículas, simplesmente nada? Como entender a relação entre o tempo que se escoa a cada instante se não ha continuidade entre os instantes? Quanto tempo existe entre dois instantes? Como entender simultaneamente o tempo que passa e a descontinuidade dos instantes? Na física, uma situação desagradável ficou instalada pois guardamos ao mesmo tempo o conceito de espaço-tempo da física clássica e as leis da física quântica, gerando muitos problemas de entendimento. O mundo macroscópico é o mundo da dualidade e da contradição. A introdução de um novo nível da realidade permite superar essa contradição. Nessa realidade, onda e partícula são na verdade unidos e se chamam quanton.
Desde muitos séculos esse nível da realidade participa da essência do conhecimento no budismo. Na meditação (zazen) a dualidade aparente entre o corpo e o espírito é superada para uma consciência integrada “corpo-espirito”. Essa abordagem intuitiva e integrada torna-se uma componente essencial na nossa vida cotidiana. Nós vivemos e podemos dizer que o nosso tempo escoa, mas da mesma forma nós podemos viver esse tempo instante por instante. Nesse estado a contradição desaparece, a consciência do tempo e do instante são unidas. Assim como o “eu-mesmo” e o mundo que o rodeia são unidos. Essa pratica leva a uma fusão do ser com o próprio universo, levando a uma profunda compreensão da realidade a partir da experimentação própria, intuitiva e contemplativa. Isso representa a única esperança para a humanidade, a essência da ecologia, o respeito e a compaixão por todos os seres.
O tempo físico e o instante
O tempo não é uma entidade própria e não pode ser medido sozinho. Ele é experimentado em função das coisas, em função dos eventos, em função de um assunto, como o ser humano por exemplo. Nós guardamos em nosso espírito essa idéia de tempo linear que passa. Ela é real, basta observar a passagem da sua própria vida. Mas esse conceito de um tempo que passa de forma regular e universal mudou profundamente na época moderna.
No século treze, mestre Dogen falava do “ser-tempo”, exprimindo que fora do contexto dos seres, ou de nós mesmos por exemplo ou de uma forma geral a presença de matéria, o tempo não existe de forma absoluta. No nosso século, Einstein mostrou que o tempo é uma noção relativa, ele depende do referencial de onde observamos e da massa. O tempo, portanto, caiu de seu pedestal de entidade absoluta.
Uma das grandes descobertas de Einstein foi estabelecer na teoria da relatividade geral que o tempo não é absoluto, mas que sua observação é modificada pela presença de massas no nosso universo. No vazio absoluto o tempo não existe. Nesse sentido falar do começo do universo refere-se unicamente à noção inexata de tempo absoluto e não de tempo relativo, pois a distribuição de massas no interior do universo está em constante transformação. Podemos dizer então que o nosso universo e o seu tempo nasceram ao mesmo tempo. No budismo a noção de tempo que separa o nascimento e o desaparecimento de um universo é chamada de kalpa. Um kalpa é o tempo do piscar de olhos do Buda, o que serve para exprimir a inexistência de conteúdo real ou mensurável de forma absoluta. O que não impede que à nossa época nós possamos falar do tempo passado, medido, por exemplo, pelo deslocamento dos ponteiros do relógio.
O conhecimento da relatividade do tempo pelas observações da física permite ao homem se dar conta da relatividade e impermanência de todas as coisas. O mundo não é mais percebido como uma entidade fixa externa a nós mesmos. O fato de não aceitar a impermanência de todas as coisas é certamente uma fonte de sofrimento para o ser humano. As noções fundamentais da física quântica nos permitem ver todas as coisas como em constante transformação, em integração recíproca, ligadas entre si, como os seres humanos são entre si e com relação ao mundo em que vivem.
O universo
O budismo antigo fala de uma multiplicidade de universos, aparecendo e desaparecendo ao longo de inúmeros Kalpas. Como se cada um desses universos fosse semelhante a uma bolha que cresce, explode e desaparece, e surgem outras bolhas. Nós mesmos podemos conhecer somente a nossa própria bolha. O que não impede que existam outras que continuarão desconhecidas por nós.
Einstein mostrou pela teoria da relatividade geral que a geometria de nosso universo é curva graças à presença da força de gravidade exercida pela matéria. Vivemos portanto num universo curvo, onde a noção de espaço e de matéria são ligados: o espaço não existe se não houver presença de matéria. O vácuo é um conceito difícil de aceitar, pois não há espaço, nem tempo. O nosso universo pode parecer infinito, mas ele encontra o seu limite natural num ponto desconhecido onde se cessam as influências da massa que o compõe. O nosso universo, considerado na sua totalidade, pode ser considerado como um imenso buraco negro.
Nada se opõe à idéia da existência de inúmeros universos, cada um sendo completamente desconhecido ao outro, sem existir nenhuma conexão espacial ou temporal. Mesmo a noção de separação entre os universos não tem nenhum sentido, pois ela não pode ser medida de nenhuma maneira, pois não existe nenhuma geometria comum. O ser humano só pode aprender e conhecer sobre o próprio universo em que vive, que gerou os seus próprios átomos e as suas próprias células. Portanto, para si mesmo o seu universo é único, pois se outros universos existem, serão eternamente desconhecidos.

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